por Daniel Cara*; considerações finais de Adércia Hostin**
A MP do dias letivos gera graves pressões:
1. flexibiliza o cumprimento dos 200 dias letivos;
2. e não altera a carga horária de 800 horas por ano.
Isso já era permitido pela LDB, mas pressionará escolas públicas e privadas e sistemas
de ensino para quatro alternativas:
1. ampliação da educação em tempo integral;
2. conclusão do atual ano letivo em 2021;
3. reposição de aulas com atividades complementares;
4. atividades em plataformas digitais, atividades remotas e afins.
Vamos às alternativas:
- A ampliação da educação em tempo integral não vai rolar. Não é possível
construir escolas após o isolamento social. Nem abrir novas salas de aula. Não
há dinheiro, nem tempo, nem todos os alunos poderão cursá-la. Não é solução. - A alternativa de conclusão do ano letivo de 2020 em 2021 é correta, mas
arriscada, porque pode ser inviável. Na prática, essa MP não cabe nesse
momento, pois não sabemos quando termina o isolamento social. Só essa
resposta nos permitirá decidir os melhores encaminhamentos e estratégias. - A reposição de aulas por atividades complementares não vai resolver. Não
haverá feriados, sábados e domingos suficientes. Além disso, voltamos ao
problema anterior: não sabemos quando terminará o isolamento social. Ou seja,
não é uma solução definitiva. - Finalizar o ano letivo com atividades em plataformas digitais, atividades
remotas e afins é muito ruim, pois ampliará as desigualdades sociais. Não há
contrariedade em utilizar recursos tecnológicos, mas nem todos podem acessar.
Basicamente, isso ocorre porque nem todos estudantes, e por vezes o docente,
têm computador, celular ou tablete; acesso a internet compatível com a
demanda; responsáveis que podem acompanhá-los; casas que permitam o
estudo.
A solução é garantir para as escolas públicas e privadas a autonomia para a decisão,
bem como para cada sistema de ensino municipal e estadual, mas a partir de diretrizes
nacionais acordadas, envolvendo toda a comunidade educacional. Isso é fundamental!
Por último, antes mesmo do isolamento acabar, precisamos acordar um Pacto Nacional
pelo Direito à Educação, baseado em um esforço de todos e todas pelo ensino-
aprendizado no país, pois a educação só se realiza na relação entre educadores e
educandos.
*Daniel Cara é professor da USP, cientista político, coordenador da Campanha
Nacional pelo Direito a Educação
Nesse contexto, apresentado acima por Daniel Cara, cabe a reflexão ampliada sobre o
fato de que, enquanto observamos muitos alunos do setor privado de ensino munidos de
um arsenal tecnológico — incluindo telefones de ponta, internet banda larga, acesso a
instrumentos digitais de primeira ordem —, a desigualdade, por vezes, sequer sai do
ambiente da sala de aula. Ela se dá entre os próprios colegas de turma e se faz presente
até no acesso (ou dificuldade de) de uma parcela dos docentes a essas tecnologias.
Mesmo sendo uma realidade maior nas escolas públicas, há muitos alunos no setor
privado de ensino, oriundos de bolsas de estudo, ou de um esforço da família de mantê-
los em instituições privadas, que não conseguirão acompanhar as demandas exigidas
por essa estratégia pedagógica. Nesse caso, é necessário destacar que a escola deve ser
responsável pela disponibilidade dos materiais a serem utilizados para atingir o objetivo
proposto no processo pedagógico.
Isso se agrava profundamente quando se parte da realidade da rede pública, na qual às
vezes, além da falta de praticamente todos os recursos tecnológicos, sofre-se também
com o contexto da violência doméstica e urbana (não que os alunos do setor privado
estejam isentos), da fome, falta de saneamento, do desemprego dos pais e dos jovens em
idade escolar que se veem obrigados a entrar no mercado de trabalho para
complementar a renda da família. A isso se soma a falta de políticas públicas voltadas
para essa parcela da população.
Há um interesse latente por parte do empresariado da educação para que esse modelo de
educação voltado às plataformas digitais, com o precedente do Covid-19, chegue às
esferas do ensino médio e atinja o ensino fundamental. O que, em um primeiro
momento, parece um avanço na educação, abre brecha para se tornar uma modalidade
educacional EaD, reconhecida ao moldes de como acontece no ensino superior, com
grande parte dos professores sendo substituída por tutores. Independentemente se
acontecer no setor privado ou na rede pública, isso trará consequências estruturais, com
o desmonte da docência e da inclusão, da educação como política social. No caso da
rede pública, haverá escoamento de dinheiro para a iniciativa privada com a compra de
programas e plataformas digitais de grandes empresários que olham a educação pelo
ponto de vista da especulação financeira e do lucro.
Infelizmente, mesmo em tempos de pandemia, ainda emerge no ser humano uma
contraditória falta de humanidade, com cada um pensando apenas nas suas
individualidades específicas e incapaz de olhar o outro.
Quantos de nós, trabalhadores da iniciativa privada, estamos preocupados com como
está sendo este período nas redes estaduais e municipais? Qual o tamanho da nossa
solidariedade para além das redes sociais e das constantes reações de afeto por desejo de
estar perto de outros, das saudades vividas de momentos divididos nas salas de aulas, da necessidade visual do que agrada aos olhos? Quanto eu realmente me coloco no lugar
do outro?
Não seremos mais os mesmos depois do Covid-19. Que saibamos que ninguém saíra
ileso! O momento pede “alma” e um pouco mais de “calma”, não necessariamente nessa
ordem (mas que Lenine me permita!): “Enquanto todo mundo espera a cura do mal/E a
loucura finge / que isso é normal/”… Vamos ser melhores e redescobrir o princípio do
que nos torna mais humanos e mais verdadeiros!
**Adércia Hostin dos Santos é pedagoga, presidente do Sinpro, coordenadora da
Secretaria de Assuntos Educacionais da Contee e mestranda em Sociologia e
Ciências Políticas na UFSC