Como se proteger de relacionamentos abusivos para além dos tempos de pandemia

      Comentários desativados em Como se proteger de relacionamentos abusivos para além dos tempos de pandemia

Por Adércia Hostin dos Santos*

…briga, pancadaria, murro, soco na cara, olho vermelho, roxos pelo corpo, empurrões, objetos quebrados, gritos, ameaças, ciúmes, controle excessivo…

O machismo é uma estrutura social que se repete e se constitui em práticas naturalizadas. A violência contra a mulher faz parte dessa estrutura subjetiva que vê como natural a dominação do homem sobre a mulher resultando, muitas vezes, em violência física e, nos casos extremos, em feminicídio.

“Eu te bati por culpa tua”; “Você provocou, logo eu tive que fazer isso”; “Você me tirou do sério”; “Nunca fiz isso antes. Você me fez fazer isso”; “Você só reclama”; “Eu trabalho o dia inteiro e você chegar e blá… blá…”.

Há uma violência simbólica que se materializa nas relações afetivas.

Primeiramente vêm as falas, depois o primeiro empurrão, seguido do primeiro apertão e do primeiro tapa. E o machismo estrutural desenvolve seu mecanismo de reprodução subjetiva na própria mulher que, na maior parte dos casos, vai dizer: “O que será que eu fiz?”, “Onde foi que eu errei?”, “Por que eu não sou o ideal?”, “Por que eu não sou aquilo que esperavam de mim?”, “Onde foi que eu falhei?”.

A mulher que se rebela contra esse modelo machista cristalizado na sociedade é rotulada, muitas vezes, de louca, histérica, prepotente, pecadora, faltante, ciumenta, enfim, a grande farsa cultural que estamos ousando contrapor.

Não é incomum a mulher pagar o preço e dizer: “eu errei”, “eu provoquei”, “Eu sou faltante, “Ele é tudo, não tira de mim esse homem, deixa ele aqui, porque eu preciso dele pra viver”. A psicanalista Maria Homem evidencia bem este processo: “porque é você, mulher, que é mais abusada, manipulada, assassinada, o feminicídio, o assédio. Porque é o que cola melhor, tá na cultura, tá no imaginário, tá na nossa loucura, de fazer com que se suponha que o homem tenha algo a mais e a mulher algo a menos a oferecer”.

O homem machista é abusador e tóxico. Sendo assim, é egoísta, invejoso, narcisista e, acima de tudo, perverso. Não consegue estabelecer uma relação de igualdade com a mulher. Alguns, por conveniência, fazem o discurso do feminismo, mas é só perceber que não são o centro das atenções para não suportar a queda do pedestal; a “máscara” logo cai.

O machismo não aceita a emancipação das mulheres e naturaliza a dominação, significando como rivalidade a emancipação feminina.

Não há amor em quem levanta a mão, bate, humilha, controla e depois pede perdão ou mata. A violência contra a mulher é uma agressão sexista. Ponto. Não há espaço para a vitimização, mas, sim, para a ação. Para agir no sentido de se empoderar é preciso compreender a posição feminina em uma sociedade machista e os caminhos para alterar esse cenário.

O amor é um afeto contrário ao desejo de posse. O sentimento de posse mascara um sentimento de inveja, que tem como impulso privar a mulher daquilo que dá prazer a ela. Ao contrário, o amor advém da admiração, do desejo pela potência da mulher, ao passo que a busca por dominação alimenta ambições pessoais, o que vela o homem e subtrai a potência da mulher.

Valorizar as potencialidades da mulher é reconhecer que são sujeitos desejantes e livres, e esse reconhecimento é um projeto para a vida toda. Do outro lado, a sociedade atual já dá as condições para uma nova posição subjetiva para o homem. O local de desejo de uma mulher que se valoriza é encontrar no outro alguém com quem suas potências possam ser multiplicadas e não subtraídas.

O isolamento social e as agressões contra a mulher

Pesquisas apontam que o número de casos de violência doméstica contra a mulher praticamente dobrou no Brasil. Em alguns países, esse indicativo é ainda maior e vem como consequência do isolamento social, que leva casais a conviverem por mais tempo no mesmo espaço.

A violência social contra a mulher não é uma realidade apenas em tempos de Covid-19. É do cotidiano assombrado de muitas mulheres que não denunciam por medo, por vergonha, para tentar proteger os filhos, a família, as pessoas que ela realmente ame. Mas isso não deixa de ser uma moralidade que tem como função a reprodução social do machismo. A mulher nessas condições vive refém em uma sociedade patriarcal e misógina.

Sabemos que nem todas as pessoas têm relacionamentos saudáveis, pois muitas delas vivem em climas pesados e com o contexto de violência, seja física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, como dispõe o rol do artigo 7º da Lei Maria da Penha.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), de caráter global, uma a cada três mulheres no mundo sofre de violência física ou sexual e, na grande maioria das vezes, o agressor é seu parceiro íntimo. Assim, ficar em quarentena com um agressor, significa ser, por mais tempo, vítima de violência, expondo-se ao risco de chegar a um crime de feminicídio.

Neste cenário preocupante, é preciso combater a violência por meio do que estipula o quinto objetivo sobre a questão estipulado pela Organização das Nações Unidas (ONU): “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.

Não esqueça, “a culpa é sempre do agressor, nunca da vítima”.

Precisamos manter vivas as ideias da filósofa Simone de Beauvoir: “que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre”.

Nos casos de violência contra a mulher, ligue 180 e denuncie. Procure ajuda, fale com alguém que você confia. Você não está sozinha.

*Adércia Bezerra Hostin dos Santos é pedagoga, mestranda do curso de Sociologia e Ciências Politicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), presidente do Sindicato dos Professores de Itajaí e Região (Sinpro), coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e membro da diretoria executiva do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE).

Fonte: Contee