ELEIÇÕES NO PAÍS DA BRUZUNDANGA

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Atualizado 20/09/2016

Por Thiago Moreti, professor de Matemática e Filosofia e diretor do SINPRO Itajaí.

Estava eu, ontem pela manhã, na padaria, pagando a conta, quando encontrei um amigo. Ele veio com a famigerada piada: “Cara, fui assaltado ontem, aqui na esquina”. Eu, preocupado, questionei: “Mas como? Você está bem? O que levaram?”. Ele soltou com gargalhadas: “O bandido queria o meu voto! Era um candidato a vereador”. Nisso, outros clientes já acharam graça da piada. Todos são agora amigos íntimos e com um objetivo em comum: tocar o pau nos políticos, todos corruptos, que merecem “n” tipos de punições, e, então, o meu amigo solta a máxima: “Por isso que eu vou votar nulo. Mas ó, não é branco, tem que ser nulo. Aliás, se todos assim o fizessem, acabava com essa palhaçada”. Ele estava se referindo ao processo eleitoral democrático do nosso país, mas estava completamente equivocado. No entanto, em meio a tantas opiniões contrárias à minha, não tive coragem de defender minha posição. Por isso, estou fazendo essa defesa agora, mesmo sabendo que pode ser tarde, uma vez que aquela piada já deve estar circulando pelas redes sociais com seus milhões de compartilhamentos. Vamos à defesa.

 

Muitas falácias (mentiras tão bem contadas que parecem verdades) sobre eleições existem por aí afora. Principalmente, referente aos tipos de votos. Muito bem! Em uma eleição no nosso país, existem dois tipos de votos: os válidos e os não válidos. Para eleger um candidato, são considerados apenas os votos válidos. Dentre os votos não válidos, estão as opções “branco” e “nulo”. Também não podemos esquecer das abstenções. Em 2014, por exemplo, nas eleições presidenciais, no segundo turno, o índice de eleitores que não compareceram às urnas beirou os 21%, ou, em valores absolutos, perto de 30 milhões de brasileiros. Já os votos brancos e nulos atingiram a marca de quase 7%. No total, quase 30% da população com direito (ou dever?) a voto abriu mão dessa responsabilidade. E pasmem, a diferença entre os votos da candidata eleita para o segundo colocado foi de apenas 3,5 milhões de votos.

 

Bom, alguns esclarecimentos então. Primeiro: não existe essa história de que, se mais da metade dos eleitores anulassem os seus votos, as eleições seriam canceladas. Falácia. Poderia sim mostrar insatisfação, mas as eleições ocorreriam normalmente com os votos válidos. Segundo: se votar em branco os votos vão para quem está ganhando. Falácia. Isso é na verdade um processo matemático que vou explicar com um exemplo bem tranquilo a seguir.

 

Imaginem o país fictício Bruzundanga – uma homenagem que vem bem a calhar ao nosso escritor Lima Barreto. Pois bem. Bruzundanga está hoje com exatos 1 milhão de eleitores, número redondo para facilitar as contas. Ocorreram eleições presidenciais entre três candidatos. Nas urnas, firmaram-se as seguintes situações: 20% dos eleitores abstiveram-se do voto, ou seja, não foram votar. Então, automaticamente, não temos mais 1 milhão de votos, mas sim 800 mil, pois as abstenções são simplesmente desconsideradas. Agora, 5% votaram branco e 10% votaram nulo (exagerando um pouco, afinal, na Bruzundanga, os candidatos não estavam com muita popularidade e a população estava descrente da política). Logo, os 5% serão somados aos 10% e consideramos 15% de votos não válidos; afinal, no papel, votos brancos e nulos não têm diferença alguma. A questão é mera formalidade estatística. Enquanto o nulo representa um “protesto”, uma vontade de anular o voto, o branco demonstra uma indecisão por parte do eleitor ou, simplesmente, o fato de ele não manifestar preferência por nenhum dos candidatos. Assim, pegamos os 800 mil votos restantes, desconsideramos esses 15%, ou seja, são 120 mil votos jogados fora, Oops, desconsiderados, e temos agora como votos válidos 680 mil votos. Isso mesmo, de 1 milhão de votos iniciais, estamos agora com quase metade desse valor.

 

Por fim, suponhamos que o candidato A teve 374 mil votos, ou seja, 55% dos votos válidos. O candidato B ficou com 20%, 136 mil votos, e a candidata C ficou com os 25% restantes, o equivalente a 170 mil votos. Dessa forma, o candidato A é eleito em primeiro turno. Isso mesmo, pois obteve mais do que 50% dos votos “válidos”. Por isso a falácia de que o candidato que está na frente acaba ganhando mais. Contudo, como já mencionei, são apenas cálculos de porcentagem, relativos, pois o valor absoluto sofreu alteração com a retirada dos votos não válidos. Se todos os eleitores tivessem ido às urnas e não tivessem anulado o voto ou votado em branco, o cenário teria sido outro, provavelmente uma disputa de segundo turno, com maior transparência e legitimidade do processo, e isso com certeza beneficiaria o povo de Bruzundanga. Consegui esclarecer?

 

O processo democrático eleitoral brasileiro ainda engatinha, eu sei, e temos muito o que aprender. Entretanto, para aprender, é necessário estudar, adquirir conhecimento, e aí está o problema. As pessoas fogem do programa eleitoral, dos candidatos, dos debates, e estes se transformam muitas vezes em verdadeiras alegorias, com palhaços e mulheres de todo o tipo de fruta. E os mais votados acabam sendo os candidatos com a melhor gravata, ou o jingle mais grudento (aquelas musiquinhas), ou o “Tião do bairro”, que vai conseguir uma vaga para o meu cunhado na prefeitura.

 

Os candidatos bons, honestos, com nível superior (Oops de novo), com equipes de trabalho qualificadas, que, com certeza poderiam mudar nossa realidade (eles existem sim, e não são poucos), acabam ofuscados pelo brilho da gravata do Tião do bairro e passam despercebidos em meio ao processo eleitoral de puro marketing que vivemos. Dessa forma, a Política se transforma naquela “Piada de padaria” que já conhecemos.

 

Assim, ao votarem, pensem: essa democracia na qual vivemos, mesmo com todos os problemas, foi conquistada com sangue e luta. Os verdadeiros interessados na nossa ignorância política são aqueles que querem impedir o senso crítico do jovem já nas escolas (Oops de novo, não que eu esteja falando da “Escola sem Partido”, ou “Lei da Mordaça”, que tem o objetivo escancarado de criar escolas que formem jovens sem opinião e analfabetos políticos, ou melhor, estou sim!), são aqueles que torcem para vocês não compreenderem o processo eleitoral, não conhecerem a definição do voto válido ou não válido. São esses indivíduos que se beneficiam com a nossa ignorância política, e a única maneira de tirá-los de lá é com o seu voto, consciente, sábio, responsável. Só assim teremos uma Bruzundanga melhor, Oops, quero dizer, um Brasil melhor.

 

 

 

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